Branding e diferenciação: como o ‘leite do gato’ da Milgrad reinventou uma categoria

A história da marca russa que desafiou as convenções, trocou a vaca por um gato azul e se tornou um fenômeno global.

A invisibilidade na gôndola

Pense na sua última ida ao supermercado. Quantas decisões de compra você tomou no piloto automático, especialmente em categorias de produtos básicos? Em corredores como o de laticínios, a maioria das embalagens parece seguir um roteiro visual não escrito: paisagens campestres, vacas sorridentes e o inevitável splash de leite branco. É um cenário de conforto criativo que, paradoxalmente, torna quase todas as marcas invisíveis.

Mas toda embalagem de leite precisa realmente ter uma vaca? Uma marca russa de laticínios chamada Milgrad não só acreditava que não, como provou que a coragem de quebrar essa convenção poderia transformar um produto comum em uma conversa mundial.

O diagnóstico: mais do mesmo em um mercado competitivo

Antes de 2020, a Milgrad era apenas mais uma marca na super competitiva gôndola de laticínios da Rússia — um mercado que representa mais de 22% de todos os produtos de consumo massivo. Suas embalagens eram funcionais, mas genéricas, e não comunicavam nenhum diferencial claro. A marca enfrentava o clássico dilema: como se destacar quando você se parece, se comporta e fala como todos os seus concorrentes?

A equipe percebeu que sua embalagem não apenas não atraía ninguém, como reforçava a ideia de que “leite é tudo igual”. Era preciso uma mudança drástica, não apenas um retoque estético. A solução veio de uma pergunta simples, mas poderosa: e se o maior símbolo de um amante de leite não fosse uma vaca, mas sim um gato?

A virada estratégica: o insight do “Leite do Gato”

A agência de branding russa Depot, responsável pelo projeto, apostou em uma ideia que ia na contramão de toda a categoria. A proposta, desenvolvida pela diretora de arte Vera Zvereva, foi abandonar completamente os códigos visuais do setor e introduzir um novo protagonista: um charmoso e curioso gato azul.

A escolha não foi aleatória. O gato é um animal universalmente associado ao afeto, ao conforto do lar e, claro, ao amor por leite. A estratégia era clara: trocar a comunicação funcional e fria da categoria por uma conexão puramente emocional. A marca não venderia mais apenas laticínios; ela entregaria uma pequena dose de alegria e surpresa.

A execução: um design que conta uma história

O brilhantismo do case da Milgrad está na execução da ideia. O design foi muito além de um simples mascote estampado na caixa.

  • Interatividade na Gôndola: o gato azul não está apenas na frente da embalagem. Ele se move, se espreguiça e brinca ao redor das quatro faces da caixa. Isso cria uma experiência interativa, convidando o consumidor a girar o produto. Mais do que isso, ao alinhar diferentes embalagens na prateleira, é possível formar a imagem completa do gato, transformando o merchandising em um quebra-cabeça visual.
  • Minimalismo Ousado: em um mar de embalagens poluídas, a Milgrad apostou no minimalismo. Um fundo branco e limpo faz com que o vibrante gato azul se destaque de forma inconfundível, criando um bloco de cor e personalidade que é impossível de ignorar.
  • Criação de um Universo de Marca: o sucesso foi tão imediato que o gato se tornou o centro de todo o universo da marca. A mesma identidade visual foi expandida para toda a linha de produtos — iogurtes, queijos, manteiga — com o gato aparecendo em diferentes poses e interações. Até mesmo o logotipo foi redesenhado, com a letra “M” de Milgrad sutilmente contornando o focinho de um gato.

Imagem retirada do site: https://www.depotwpf.com

Os resultados: de embalagem a fenômeno global

O impacto do “leite do gato” foi imediato e explosivo. Sem grandes investimentos em mídia, a embalagem se tornou um case viral de marketing orgânico.

  • Repercussão Mundial: apenas algumas semanas após o lançamento, o design viralizou nas redes sociais, especialmente no Japão e em outros países asiáticos, e se tornou meme em plataformas como 9gag e TikTok.
  • Mídia Espontânea: grandes veículos de design, marketing e varejo no mundo inteiro, como a Revista PEGN no Brasil, publicaram matérias elogiando a criatividade e a ousadia da marca, gerando uma exposição massiva e gratuita.
  • Construção de Ativo: a Milgrad deixou de ser uma marca genérica para se tornar dona de um ativo visual poderoso e amado. O gato azul não é mais apenas um desenho; é o símbolo da identidade e da diferenciação da empresa.

A lição: diferenciação é uma decisão

O case da Milgrad é um exemplo poderoso de que o design não é um enfeite, mas uma ferramenta central de estratégia de negócios. Ele prova que, mesmo nas categorias mais comoditizadas, há sempre espaço para a diferenciação. Para isso, é preciso coragem para questionar as “regras” do mercado e a sensibilidade para encontrar uma verdade que conecte emocionalmente com as pessoas.

A grande lição é que a diferenciação não é encontrada, é construída. Começa com a decisão de parar de seguir a manada e a ousadia de contar a sua própria história.

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